terça-feira, 4 de junho de 2013

A Terra



- A Terra -

No amanhecer daquela aldeia cândida, havia algo diferente do comum dos lugares por onde já passei, vendo o Sol nascer…
Parecia que quando nascia o dia, nascia novamente a aldeia, acordada na realidade de um sonho mágico e mimoso. Perfumado. Limpo.
A aldeia acordava e nascia com o Sol. Fizera as pazes com o tempo. E acordava fresca, limpa, branca.
O cheiro das casas de aldeia sempre me fascinou. É uma mistura de bolachas, com alfazema, rendas e antiguidades. Uma casa de aldeia, que é uma simples casa do campo, tem que ser simples e modesta. Esse é o seu uniforme. Tem que haver velharias de encantar que nos façam recuar aos tempos das grandes convulsões, das guerras, da época da fome e da miséria – de que já ninguém se lembra.
Tem que haver poucos objectos ornamentais, supérfluos e nenhum lixo “industrial de matriz urbana” pseudo-estilizado. A simplicidade, o branco, o limpo, a paisagem, a água é a combinação perfeita para nos embalar numa perfeita calma possível.
Muitos paninhos de linho, rendas, fruta madura, cheirosa a fazer-se cúmplice ao sorrateiro bater das horas do relógio de parede. E aquela caixinha de música no quarto de costura que segundo parece até veio do Brasil.
Está na hora de tomar banho para ir lá para for a aproveitar um bom pequeno almoço. Da casa de banho branca, com muitas plantas fixadas nos peitoris das janelas eu vejo o ribeiro que atravessa os quintais e os terrenos da casa, banhando com delicia e muito mimo os agriões, os trevos e a hortelã.
Lá ao fundo vêem-se as tangerinas, Pequenitas, pois sim, mas doces como mel. Ao lado as pereiras e as cerejeiras. Descansam penduradas enquanto a árvore doseia o alimento pelos seus frutos, apurando o seu fantástico aroma..
Depois de ter tomado um bom banho de água mais fria que quente, enrolei-me numa enorme toalha turca, branca e vesti uma roupa fresca a cheirar a sabão de barra.
No exterior da casa, junto ao jardim que embeleza a soleira e a escadaria da porta principal e debaixo das arcadas, tomei um sumo de tangerinas, duas torradas com mel e ouvia atentamente o canto oferecido de um pardal apaixonado a um estorninho muito amigo nos campos lavrados, nos jardins com perfume de romã daquela casa, naquela aldeia que lá vai…

João Carlos Lages - 1996

Sem comentários: